O estudo de psicologia foi desafiante. Eu tinha que
trabalhar para pagar a faculdade porque inicialmente a família tinha problemas
em eu estudar em faculdade particular. Era pra eu fazer faculdade pública ou
PUC. Nada mais era bom o suficiente. Claro que todos mudaram de ideia depois de
um tempo e nos ajudamos, mas foi uma conquista.
Para pagar o último semestre que fiz de cursinho eu já tinha
conseguido um emprego como secretária. Indicação da minha querida Elisa. Mas
ficava absolutamente impossível morar na Água Branca, trabalhar no Itaim e
estudar no Ipiranga. Arrumei outro, fui dar aulas numa fábrica de molas para
caminhões na divisa com São Bernardo.
O horário era bom, o salário também. A experiência nem se
fala. Riquíssima. A começar pelo fato de meu aluno mais novo ter pelo menos 5
anos a mais que eu. E terminando por um deles se matriculando no ensino médio e
me agradecendo por não ir lá só pra me exibir, mas para ensinar. Orgulho do meu
trabalho.
E assim eu terminava as aulas as 17hs, ia pra faculdade e
tinha tempo até as 19hs para estudar e participar de atividades sociais. Fui
secretária do DCE, depois da Associação de Antigos Alunos e último-Anistas.
Organizava as paradas. Nada de corrupção. Bolsas para estudantes carentes,
trotes solidários, visitas à favelas. Tudo isso eu pude fazer e ainda curtir um
pagodinho vez em quando.
Queria participar de pesquisas na época, mas a São Marcos
engatinhava nessa área. Tinha um único grupo, com lista de espera. Se tornavam
Universidade mas bem incipiente naquele momento. Mas tinha uma excelente
clínica e foi com isso que me envolvi.
Sempre gostei de atender e nunca fui muito psicanalítica no
sentido das regras, da abstenção, da tela em branco. Me permitia interagir com
os pacientes e perceber as consequências disso. Tinha uma grande parceira,
Mirela. Uma gama de professores e uma supervisora que não esqueço, a Aspázia.
Lembro em uma supervisão que fiquei o tempo todo vendo um pássaro lá fora da
sala, mas com os ouvidos atentos aos casos discutidos. Uma coleguinha muito
despreparada tomava uns chuás toda supervisão. Ela queria “fazer faculdade de
oftalmologia, mas não encontrou no guia e foi tentar a psicologia”. E os
professores a passaram de semestre, empurraram sempre. Até o último ano quando
as supervisoras perceberam a barbaridade. Nenhuma maturidade, tampouco
conhecimento. Ela era limitada mesmo, tinha muitas dificuldades, mas com um
orgulho inabalável não aceitava ajuda e ficou pelo caminho.
Eu atendia em dupla com a Mirela, dois meninos, casos diferentes, claro.
Um com dificuldades de aprendizagem e outro com encoprese e enurese (fazia xixi
e cocô nas roupas). Bom, esses eram os encaminhamentos, mas sabe o que? Estes
dois lindos me ensinaram muito e nunca apresentaram qualquer dos sintomas relatados
durante as sessões.
Claro, tratamos as famílias deles. Eu entendo assim. A
criança chega como sintoma da família. As questões de vínculo, papéis,
atitudes, transparecem nas crianças porque elas são mais abertas, menos
neuróticas que os adultos que já construíram todo um sistema de defesas. E na
abordagem da terapia infantil, acabo trabalhando de maneira familiar e
sistêmica. E tudo pode acontecer, inclusive nada. Nada?